Botelhos é o Irmão do Jorel
Não me lembro, exatamente, quando foi que me dei conta de que havia nascido numa cidade pequena. Mas, aos poucos, fui tomando ciência desse fato.
Botelhos é uma cidadezinha localizada entre as montanhas do sul de Minas, bem próxima da divisa de estado com São Paulo. Ela traz consigo toda a estética presente em cidades de interior, como ter a praça da igreja matriz como ponto central, de frente para jardins e coreto. Até pouco tempo atrás, as ruas principais (que até hoje não possuem semáforos) eram de paralelepípedo. Possui apenas um hospital, duas ou três escolas e poucos prédios (sem elevadores, naturalmente).
Sobre população, Botelhos tem aproximadamente 15 mil habitantes, número esse que uso como unidade de medida quantitativa. Por exemplo, moro hoje num bairro de São Paulo com aproximadamente 98 mil habitantes, logo, digo que moro num bairro com 6,5 Botelhos. Aliás, usar essa medida me faz ter um pouco mais de… humildade, eu acho… Quando penso na grandeza das coisas e constato que nasci e fui criado num lugar 6,5 menor (por exemplo), acabo por ter um sentimento de gratidão e respeito pela cidade natal. Quase como uma forma de não me esquecer de onde vim…
Enfim.
O fato de ter nascido e crescido (não muito) num lugar assim, é que o conceito de “cidade” - digo, de centro urbano - sempre acabava sendo o de outros lugares. E, por uma questão de proximidade, um desses lugares era a famigerada Poços de Caldas.
Desde minha infância, ir de Botelhos para Poços era (e ainda é) uma atividade comum para os botelhenses. Lá é encontrado coisas que não são encontradas em Botelhos: shopping, McDonald’s, semáforos, elevadores e corpo de bombeiros.
Obs.: Não utilizei nenhum juízo de valor nos exemplos citados, foram os primeiros que vieram à cabeça. Talvez tenham sido os que eu sempre usava quando criança.
A cidade vizinha, que fica cerca de 30 minutos de Botelhos, tem de tudo para quem quer trabalhar, estudar ou passear por lá. Além disso, Poços de Caldas é uma cidade turística, que recebe pessoas de vários cantos do Brasil.
Tá, mas e daí? Por que estou escrevendo sobre essas cidades?
O sentimento que me trouxe até aqui foi o de revolta.
Desde que me mudei para São Paulo (e olha que já faz mais de 13 anos!) e sempre quando digo de onde vim, as pessoas nunca conhecem Botelhos. Mas, quando digo que “fica próximo a Poços de Caldas”, aí todos parecem ter a mente clareada e respondem algo como “Ah, tá! Sei onde é”.
Ter que usar Poços de Caldas como referência, sempre foi um problema para mim.
Eu poderia não me importar de usar a cidade como referência, afinal, a maioria das pessoas podem apenas ter ouvido falar de Poços e, na verdade, nem saber a localização aproximada, de fato. Eu poderia não usar ela como referência. Eu poderia nem dizer para as pessoas de onde vim. Eu poderia nunca mais me comunicar com ninguém e me tornar um eremita. Eu poderia, inclusive, torcer para ser verdadeira a lenda de Poços estar localizada sobre um vulcão e rezar para que aquela merda exploda, levando a cidade toda junto com ele... Eu poderia levar essa questão para terapia, mas o Substack me parece ter mais humor que um psicólogo.
Uma hora ou outra, as convenções sociais tirariam de mim as informações de cidade natal e cidade referencial.
Então, de um tempo pra cá, comecei associar Botelhos ao Irmão do Jorel. Todos conhecem o Jorel, mas ninguém sabe, ao menos, o nome do irmão do Jorel. Sabem, apenas, que é o irmão do Jorel.
O Jorel é conhecido, bonito, admirado e as pessoas sempre falam bem dele. Entretanto, nesse desenho animado que é o espaço geográfico brasileiro (apenas na minha cabeça, claro), a protagonista sempre vai ser ela, a otimista, criativa e ingênua irmã de Poços… Digo, Botelhos!