Astronautas e Nachos
Otto, o jovem de dezesseis anos, entrou na cúpula de transição dizendo à sua mãe que não demoraria a voltar. Vestiu seu uniforme e saiu para o exterior, deixando pegadas cinzas para trás.
Enquanto observava os grandes domos iluminados ao longe, acabou tropeçando em algo. A leve queda do adolescente seria motivo de risadas para qualquer terráqueo, se ainda existissem.
Ele se recompôs e voltou a olhar para seja lá aquilo que o derrubou, andando entre as tantas flores de plástico que sua mãe havia pregado ali.
Sujando as luvas brancas, ele cavou um pouco do chão, ao redor do objeto, e encontrou uma haste que o permitiu agarrar com mais firmeza. Puxou o objeto para cima, visualizando seu estado deteriorado e suas finas cordas de aço flutuando no ar. Suspirou e o jogou de volta ao chão, irritado.
Continuou seu caminho.
Não era preciso um local muito alto para visualizar a Terra com facilidade naquela região. Bastava um pequeno monte para observar a beleza perdida do passado.
Otto, que enxergara Melissa a média distância, subiu o monte devagar até se aproximar dela.
— Oi.
— Oi! — respondeu ela, com um sorriso.
— Chegou mais cedo, foi?
— Um pouco... Ou será que foi você que demorou a se vestir, por gastar mais tempo no espelho, Sr. uniforme novo — disse Melissa num tom de brincadeira.
O branco do uniforme espacial de Otto, que ganhara de aniversário uma semana antes, era chamativa. Através dos capacetes iluminados, ela percebeu que o silêncio em resposta a sua piada estava acompanhado de uma expressão triste no rosto do jovem.
— O que aconteceu?
— Ah, nada demais... — respondeu ele, olhando para o planeta, no céu.
— Vai, fala!
— É que, no caminho para cá, eu estava pensando na estufa da escola, sabe? Com todas aquelas plantinhas e tals...
— O que tem?
— É que, mais uma vez, eu sonhei com aquelas plantinhas... Mas, dessa vez, elas estavam lá! — disse Otto, com o dedo em riste para a Terra. — Mas não era lá atualmente... Era lá, no passado.
— Você diz...
— Com pessoas, animais, áreas verdes... — respondeu, cortando a fala da jovem. — Enfim, com vida...
Melissa respirou fundo, entendendo exatamente o sentimento que pairava sobre Otto.
— Sim...
— Você acha normal a gente sentir saudade daquilo que a gente não viveu? — perguntou ele.
— Acho plenamente normal — respondeu ela.
Eles ficaram encarando o planeta por alguns minutos, em silêncio.
— Eu gostaria de poder ver ela sem toda aquela sujeita na frente, sabe.
— É só olhar fotos — debochou Melissa.
— Eu digo, ao vivo.
— Sim, eu entendi.
Nem os mais pessimistas podiam imaginar que anos de lixo espacial lançados na órbita da terra, pudesse formar naturalmente um anel de entulhos ao seu redor e que, tal massa de objetos, pudesse ser visível a olho nu, em tamanha distância, assim como a que se encontravam Otto e Melissa.
— Às vezes eu fico imaginando que, por traz da sujeira, aqueles continentes, na verdade, são grandes nachos.
— Nachos? — Melissa se surpreendeu.
— Sim... Eu gostaria de transformar todo aquele azul escuro em amarelo, para poder imaginar que tudo aquilo nada mais fosse do que uma grande bacia de nachos e cheddar — havia um pouco de irritação em sua voz.
— Confesso que eu já ficaria feliz, se apenas o lixo que jogaram no céu parasse de cair aqui — disse ela, se juntando ao incômodo do rapaz.
— Sim, você tem um ponto.
Muitos dos objetos, espalhados na massa de lixo espacial, se desprendia da órbita e seguia o rumo em direções aleatórias.
— Você acredita que, essa semana, caiu um motor de carro no domo da minha tia? — disse Melissa, voltando o olhar para Otto que continuava a encarar o planeta. — Quase quebrou...
— Hoje eu achei uma guitarra no jardim — disse ele, em resposta.
— Uma guitarra?
— Sim...
— Caramba! — agora, o tom de voz de Melissa também era de irritação. — O que mais eles podem ter deixado naquela sujeira toda? — Se questionou, voltando o olhar para cima.
— Uma carta de desculpas, não seria ruim.
Obs.: Eu fiz esse texto, a partir de um exercício de escrita, com minha amiga Giselle, onde escolhíamos uma frase aleatória e o outro tinha que escrever um texto com a frase em questão. E, para este texto, foi “Hoje eu achei uma guitarra no jardim”.